26 de jul. de 2009

Intertexto


(colagem de fragmentos de Luvas de Pelica - Ana C. e Vidas Secas - G. Ramos, 2004)
Longe, na planície avermelhada, os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Não estou conseguindo explicar minha ternura, entende? Tínhamos caminhado o dia inteiro, estávamos cansados e famintos. Sei que não nasci para cigana e tenho o chamado “olho com pecados”, mas já fazia horas que procurávamos uma sombra. A folhagem dos juazeiros aparecia longe e através dos galhos pelados da caatinga rala, parecia que a viagem progredira três léguas. No fundo isso não é um livro, eu sei, sou eu, sou eu sombrio, cambaio, condenado do diabo, sou eu que você segura e sou eu que te seguro! Caio das páginas nos teus braços, teus dedos me entorpecem, teu hálito, teu pulso... Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se, estávamos no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e também deserto. Repousado na areia do rio seco, eu mergulho dos pés à cabeça, delícia, mas agora chega!. Agora chega de saudade, segredo, impromptu, chega de passado passando em vídeo-tape impossivelmente veloz, repeat, repeat, quero o presente deslizando sobre essas plantas mortas.
Sei que não sou rato de biblioteca, não entendo quase aquele museu da praça, não tenho embalo de produção e você não lembra minhas palavras uma a uma. Sei que nos arrastamos para lá, devagar, que estivemos juntos e sozinhos. Mas depois sossegamos, deitamos, fechamos os olhos... Agora repouso minhas cartas e traduções de muitas origens, me espera uma esfera mais real que a sonhada, MAIS DIRETA, o negrume dos urubus à minha volta...
Adeus! Toma esse beijo só para você e não me esquece, mas eu poderei voltar. Te amo, ainda assim, parto. Opto pelo olhar estetizante, com epígrafe de mulher moderna desconhecida, qual bainha de faca de ponta. Enquanto isso, você tenta forçar a porta, incorpóreo, triunfante, morto.

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