25 de mar. de 2009

Fogo

Ante o nada,
hoje,
o eco das últimas sílabas
habita
involuntário,
insano,
o peito.
Fere amor com seu sarcasmo,
oculta amarga veia da saudade,
viola sentimentos, sentidos.
Desvãos.
O alimento em gotas do desejo
é o fogo denso,
vivo,
a queimar
(quase secreto)
no invisível
brilho dos teus olhos.

19 de mar. de 2009

Milênios de silêncio



Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você

(nada mais bonito do que Chico Buarque pra quebrar milênios de silêncios e soprá-los no ar)

8 de mar. de 2009

Nega

(Foto:Wonia Khalil)

Levantou cedo e perguntou pra patroa se a camisa da seleção estava limpa e passada. “Na gaveta!”, respondeu a nega. Não valia muito essa nega, mas de uma coisa não podia reclamar: a casa, a roupa e os meninos andavam sempre um brinco. Tá certo que de vez em quando tinha de levar uns sopapos pra aprender a obedecer. “Mulher tem que apanhar pra não sair da linha”.
Lá pela hora do almoço, os amigos apareceram. Companheiros de bar, de sinuca, de cerveja e TV em dia de jogo. A nega fez feijoada e serviu um caldinho de feijão pra abrir o apetite. Caipirinha e cerveja ‘a rodo’, pandeiro, timba, pagode: esse ano o Brasil seria campeão.
Depois do almoço, quase três da tarde, Galvão Bueno já dava a escalação: Juninho Pernambucano na armação no lugar de Ronaldinho, e o Gaúcho na frente no posto de Adriano. “Bom!”, diziam uns, “O Parreira tá louco!”, apostavam outros, “Que que é isso?”, gritava alguém lá do fundo. De repente, a nega soltou: “desse jeito, a gente acaba perdendo pra França!”. O tapão voou rápido, não deu nem pra correr. “Cala esse boca, sua nega vadia! Não vê que dá azar falar em perder tão perto do jogo começar?”. Ela virou as costas, o rosto vermelho, ardendo e praguejou baixinho: “pois tomara que perca mesmo!”. Ele ouviu. Tentou pular no pescoço dela, mas alguém segurou. “Some da minha frente, sua vagabunda! Se o Brasil perder eu te mato! Te mato, ouviu?” A nega sumiu no mundo. “Sossega” pra cá, “deixa disso” pra lá, começa o jogo.
Uma lástima. A seleção jogou mal, os franceses arrasaram. Zidane estava com o capeta no corpo, enquanto Ronaldo, Roberto Carlos e Cafu pareciam plantados no campo de tão duros que estavam. “É hoje que eu mato aquela nega!”, dizia ele. Daqui a pouco o gol da França. Henry. Silêncio geral. Depois, o jogo morno e os amigos tentando tirar a idéia de sua cabeça. “Deixa disso, homem, os caras tão jogando muito mal mesmo hoje, ela não teve culpa.”. Não adiantava. Ele estava furioso. No fim do jogo, cada qual com seu cada qual, um a um os amigos foram embora. Ele esperou a nega aparecer. Cochilou no sofá e nada dela.
Dormiu. Manhãzinha, antes das 5, ele já coando café, ela entra pelos fundos. “Desculpa, Zé, não falei por mal...” Ele não respondeu. Ela quis chegar junto, fazer um carinho e ele nada. “Vou preparar tua marmita. Preciso acordar as crianças, tá na hora de ir pra escola”. Nessa hora veio o soco. Forte. Certeiro no meio da boca. Sangrou. O dente da frente saiu vermelho na mão dela, caída que estava no chão da cozinha. “Tua sorte é que eu te amo, nega vagabunda. Dessa vez não vou te matar não, porque a culpa foi do Parreira que demorou muito pra botar o Robinho, mas da próxima...” A nega levantou, jogou o dente no lixo e, feliz da vida com o amor revelado, colocou mais um pedaço de lingüiça na feijoada do seu homem.

(Texto republicado em homenagem ao Dia Internacional da Mulher)

Cães, muitos cães


Ando com vontade de ter um cachorro. Este fim de semana foi muito legal porque - apesar de termos chegado às 9h30 pra uma caminhada que começava às 8h, conhecemos o Marcelo, que é adestrador, e conversamos muuuuito com ele sobre cães, e raças, e dobermans burros, e chow-chows mordedores, e pastores alemães fabulosos, e cockers amarelos matadores. Quem se deu bem foram o Kevin e a Bebel, devidamente amassados e apertados, e o Beco e a Dora, que ganharam os melhores carinhos do mundo (mesmo sendo pela grade do portão).