Cruzou, naquele dia, a soleira da porta pela última vez. Sem perceber, saiu deixando pegadas no vermelho que agora marcaria para sempre o piso do corredor. Não lhe caberia, sequer, saber que aquela ferida jamais cicatrizaria. Ao sair do prédio, entregou-se à amarga sensação de perda que o acompanharia em cada semáforo ultrapassado, em cada dia amanhecido, em cada cigarro que amarelasse um pouco mais a ponta de seus dedos. Era, agora, apenas mais um naquela história de amores, rompantes, paixões, frenesis.
Na manhã seguinte, o gosto do nome ainda teimava em lhe queimar garganta, língua, palato mole. "Nada que uma boa dose não cicatrize", diziam-lhe. No entanto, o riso, o gesto, o movimento frenético – embora delicado – de mãos. Olhos suplicando um afeto que ele não conseguiu dar, palavras e poesia a lhe cortar continuamente a pele da memória: sobras empilhadas, bem ali, na sua frente. Quantas vezes leu, releu cada uma daquelas frases em busca de compreensão? Quantas vezes percorreu cada período por um resto tênue de poesia? Quantas, tantas.
Ao lado da mesa, o triturador de papéis recém comprado. Relutou - mas fez, ainda que soubesse que bastaria um retrato, um cinema, uma canção, uma maldita rima para lhe sangrar a ferida em contínuas e patéticas gotas de derramadas palavras.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário